Resultados reforçam estudos que indicavam que perdas de visão e audição são importantes fatores de risco de declínio cognitivo

A cirurgia para a remoção de catarata, problema que leva o cristalino do olho, normalmente transparente, a ficar opaco, pode restaurar a visão quase instantaneamente. Uma pesquisa recente sugere que o procedimento pode trazer outro benefício também: a redução do risco do mal de Alzheimer e outras formas de demência. Para o estudo, cientistas examinaram 3.038 homens e mulheres com catarata que tinham 65 anos ou mais, e não apresentavam demência no momento do diagnóstico. Entre eles, 1.382 haviam feito cirurgia de catarata, e os outros, não. Todos eram participantes de um estudo de memória que durou décadas e os acompanhou ao longo dos anos. Os pesquisadores constaram que o risco total de demência era 29% mais baixo entre os participantes que haviam passado por cirurgia de catarata, comparados com os que não fizeram o procedimento. Os pesquisadores também examinaram a cirurgia de glaucoma, outro tipo de cirurgia ocular que não restaura a visão, mas pode ajudar a prevenir a sua perda. Ela não teve efeito sobre o risco de demência.

Publicado na revista Jama Internal Medicine, o estudo levou em conta a idade dos participantes no primeiro diagnóstico de catarata e também diversos fatores de risco para demência, incluindo poucos anos de estudos, tabagismo, hipertensão e índice de massa corporal alto. O único fator que exerceu efeito maior que a cirurgia de catarata sobre o risco de demência foi a pessoa não ser portadora do gene APOE-e4, ligado a um risco aumentado de mal de Alzheimer.

"Os autores foram extremamente cuidadosos na abordagem aos dados e ao considerar outras variáveis", comentou Nathaniel A. Chin, professor assistente de medicina na Universidade de Wisconsin. "Eles compararam cirurgia de catarata com uma cirurgia que não melhora a visão —a cirurgia de glaucoma— e fizeram controles para levar em conta muitas variáveis importantes que poderiam causar confusão." Chin é diretor médico do Centro Wisconsin de Pesquisas sobre mal de Alzheimer.

"Ficamos espantados com a importância do efeito", disse a autora principal do estudo, Cecilia S. Lee, professora assistente de oftalmologia na Universidade de Washington. Os autores destacam que se trata de um estudo baseado em observações e que não comprova causa e efeito. Mas sugerem que esse pode ser o melhor tipo de evidência que se pode obter, já que um ensaio randomizado em que apenas algumas pessoas fossem autorizadas a fazer cirurgia de catarata seria prática e eticamente impossível.

"Talvez se possa dizer que as pessoas suficientemente saudáveis para fazer a cirurgia são mais saudáveis de maneira geral e, portanto, têm menos tendência a desenvolver demência de qualquer maneira", disse Lee. "Mas quando não vemos nenhuma associação entre cirurgia de glaucoma e risco de demência, isso reforça a ideia de que não são simplesmente cirurgias oculares [que ajudam a reduzir o risco de demência], nem o fato de uma pessoa ser suficientemente saudável para ser submetida a cirurgia, mas sim que o efeito é específico da cirurgia de catarata."

Os resultados reforçam pesquisas anteriores que indicaram que a perda de visão — e também a perda auditiva — são importantes fatores de risco de declínio cognitivo. Por exemplo, pessoas com dificuldade para enxergar ou ouvir podem se afastar de atividades como exercício físico, interações sociais, leitura ou atividades intelectuais, todas as quais estão ligadas a um risco menor de demência. Mas os pesquisadores também sugeriram um possível mecanismo fisiológico. O córtex visual sofre alterações com a perda de visão, eles escreveram no artigo, e a visão prejudicada pode reduzir a chegada de informações ao cérebro, levando a um encolhimento do cérebro, outro fator de risco de demência. Pelo menos um estudo anterior constatou um aumento do volume da massa cinzenta do cérebro após cirurgia de catarata.

Embora o mecanismo exato dos benefícios da cirurgia de catarata ainda seja desconhecido, Lee disse que não é surpreendente que algumas das alterações que vemos nos olhos possam refletir processos no cérebro. "O olho está muito fortemente ligado ao cérebro", ele disse. "O olho se desenvolve no útero a partir do cérebro, com o qual compartilha o mesmo tecido neural. O olho em desenvolvimento vem do encéfalo frontal."

Chin disse que para ele, a questão mais importante a analisar agora é o que isso significa para médicos e pacientes. Os médicos em clínicas de atendimento primário ou os que tratam a memória precisam fazer exames mais precisos para averiguar declínio visual, ele disse. "Podemos falar com as pessoas sobre potenciais melhoras da saúde cerebral com a cirurgia de catarata, além da necessidade de cuidar da visão ao longo da vida como maneira de proteger a cognição."

 

 

 

 

 

 

Fonte: The New York Times